A DESPEDIDA DE ELIAS
O caminho (2.1-6):
O percurso: Fazem o percurso Gilgal-Betel-Jordão.
Gilgal:
Não a cidade mais conhecida na baixa elevação de Js 4.19, mas uma cidade nas montanhas entre Siló e Betel.
Betel: Era o local onde estava um dos santuários dedicados aos bezerros de ouro de Jeroboão e um importante centro religioso. Sua história abrange:
Os patriarcas (Gn 28).
A conquista e ocupação da Terra Prometida (Js 8; Jz 1). Durante um curto período de tempo foi também o local que abrigou a arca (Jz 20.26-28).
E Samuel (1 Sm 7).
Jericó:
O percurso de Betel a Jericó era de cerca de 20 quilômetros (a maior parte em declive), correspondendo a meio dia de caminhada.
A cidade foi reconstruída durante o reinado de Acabe (1 Rs 16.34).
Jordão:
O rio Jordão fica a cerca de 8 quilômetros depois de Jericó. Esse seria mais ou menos o local em que Josué atravessou o Jordão.
Fique aqui: Era um teste da determinação de Eliseu.
Eliseu é lembrado várias vezes de que se mestre será levado embora.
Os filhos dos profetas:
Era possível ser treinado para exercer a função de profeta, e nesse período inicial da história de Israel havia uma associação de profetas geralmente chamada de “filhos dos profetas”.
Esses profetas empregavam vários métodos a fim de se preparar para receber os oráculos proféticos.
A música exercia um papel importante na indução do estado de transe (êxtase) considerado uma preparação para a pessoa se tornar mais receptiva a uma mensagem divina.
Eliseu afirma repetidas vezes sua lealdade a Elias.
A pergunta dos discípulos dos profetas implicava que o Senhor havia revelado a partida iminente de Elias para eles.
A resposta de Eliseu, no sentido de que ele não precisava ouvir isso “não falem nisso” declara explicitamente que a partida de Elias foi revelada pelo Senhor também a ele.
Eliseu logo deixaria de ser assistente de Elias, para servir como líder entre os profetas.
O rio (2.7,8): No rio Jordão, Elias opera seu último milagre, dividindo as águas.
O ato de Elias lembrou aquele em que Moisés dividiu o mar Vermelho (Êx 14.21,22) e a divisão do rio Jordão quando Israel atravessou a terra (Js 3.14-17).
Essa travessia colocou Elias na margem oriental do Jordão, região na qual a vida de Moisés chegou ao fim (Dt 34.1-6).
O PEDIDO OUSADO DE ELISEU
O pedido (2.9): Eliseu pede a Elias para se tornar seu herdeiro legítimo.
O que significava a expressão “porção dobrada” (v.9).
Ao pedir “porção dobrada de teu espírito”, Eliseu não estava pedindo o dobro do que Elias possuía, mas o dobro do que qualquer sucessor normalmente receberia. Seria semelhante ao direto de herança do primogênito, que era o principal responsável pela continuidade da família.
Essa expressão foi traduzida assim na NVI: “Faze de mim o principal herdeiro de teu espírito profético”.
Não era apenas o pedido de Eliseu para suceder Elias em seu ministério profético, uma vez que o Senhor já havia revelado essa sucessão em 1 Rs 19.16-21. Também era o desejo de Eliseu ter um ministério superior ao de Elias, embora, de fato, ele fizesse o dobro dos milagres registrados como sendo de Elias. Ele queria que o grande poder de Elias continuasse vivo através dele.
Jesus prometeu: “Aquele que crê em mim fará também as obras que tenho realizado. Fará coisas ainda maiores do que estas, porque estou indo para o Pai” (Jo 14.12 NVI).
O requisito (2.10): Elias deixa a questão em suspense... Ele diz a Eliseu que se pedido será concedido se ele testemunhar sua partida.
O afastamento (2.11): Eliseu assiste a uma carruagem de fogo aparecer e levar Elias aos céus num redemoinho!
A carruagem de fogo:
O texto não atribui nenhuma papel a ser desempenhado pela carruagem ou pelos cavalos (além da separação d e ambos 2 Rs 2.11).
Na crença religiosa israelita, Yahweh muitas vezes é representado conforme o que se pensa no antigo Oriente Próximo. As semelhanças sugerem a possibilidade do uso de conceitos familiares do imaginário popular para esclarecer o envolvimento da divindade neste evento sem precedentes.
Notas culturais:
As carruagens ou carros eram um importante meio de transporte para os dignitários nos tempos de Elias e Eliseu. E também simbolizam poder.
No antigo Oriente Próximo, era comum imaginar que as principais divindades às vezes vinham acompanhadas de cocheiros.
Uma divindade como Rakib-El era o condutor da carruagem do deus cananeu El.
Na literatura acadiana, Bunene, o conselheiro do deus Sol Shamash, é designado como condutor da carruagem. O cocheiro seria o responsável pelo transporte da divindade, especialmente nas batalhas.
O redemoinho: A palavra traduzida por “redemoinho” geralmente está relacionada à ação de Deus (a tempestade Jn 1) e às vezes à sua presença (Jó 38.1; 40.6; Jr 23.19; 25.32; 30.23; Zc 9.14).
ELISEU TOMA A CAPA DE ELIAS
Ele divide as águas (2.12-14)
O grito de Eliseu (v.12):
Meu pai: O termo “pai” é usado para designar o líder de um grupo, tanto em hebraico quanto em acadiano. Da mesma forma, “filho” designa um membro daquele grupo.
“Os carros de guerra e os cavaleiros”
O título pode estar indicando a identificação de Elias como o cocheiro, alguém intimamente relacionado à divindade, aquele que a transporta até as batalhas.
“Quando viu isso, Eliseu gritou: ... Tu eras como os carros de guerra e os cavaleiros de Israel” (NVI).
Os carros e os cavalos simbolizam a poderosa proteção de Deus, que era a verdadeira segurança de Israel (v.12). Como a defesa dos reinos terrestres depende de sua força militar, como por exemplo, a representada por cavalos e carros, um único profeta tinha feito mais, através do poder de Deus, para preservar sua nação do que todos os seus preparativos militares.
A expressão encontra eco na morte de Eliseu (2 Rs 13.14)
Seria um epitáfio igualando o valor de Elias a mais do que poder militar.
O júbilo por uma partida triunfal.
Eliseu rasga suas vestes (v.12):
Além de jogar cinzas na cabeça, rasgar as vestes era uma forma comum de manifestar pesar no antigo Oriente Próximo. Essa atitude geralmente indicava pesar pela morte de um parente, amigo ou pessoa proeminente (2 Sm 3.31).
Muitas vezes, “rasgar as vestes” era um mero ritualismo, uma falsa demonstração de humilhação, neste caso o profeta Joel adverte: “Rasguem o coração e não as vestes” (Jl 2.12).
Eliseu pega o manto de Elias.
Manto:
Quase todas as pessoas tinham capas, mas a maioria delas tinha apenas uma. As capas eram similares aos casacos de hoje, porém eram mais versáreis, e eram usadas em quase todos os lugares.
O material das capas: Muitas eram feitas de pele de animais, de pelos de cabras ou camelo, ou de lã.
O valor das capas: Como era necessário muito tempo para fazê-las, as capas eram valiosas e não eram descartadas até que estivessem completamente estragadas. Era comum ver uma capa que tivesse sido remendadas várias vezes.
Os usos importantes de uma capa:
Uma capa era usada como proteção do sol escaldante, e para aquecer na noite de inverno.
Em uma noite quente e agradável, uma capa servia de travesseiro macio.
Às refeições ela era estendida no solo e servia de assento especial para um convidado de honra.
Um pacote de mercadorias era levado de aldeia para casa em uma capa.
Um lavrador amarrava sua capa em forma de bolsa, colocava no seu interior as suas sementes e semeava os seus campos manualmente.
Uma capa também podia ser usada de forma simbólica. Ao colocar a sua capa sobre uma mulher, um homem anunciava que cuidaria dela.
Atirar a capa sobre os ombros de outra pessoa representava a transferência de poder ou posição. Às vezes isso, isso significava um chamado ao discipulado.
Uma capa era, às vezes, dada a um credor como garantia de uma dívida.
E, quando rasgada, uma capa simboliza grande tristeza ou angústia.
Notas sobre o “manto de Elias”.
Elias atirou seu manto para Eliseu indicando assim que o havia escolhido para a tarefa mencionada em 1 Rs19.19 (era a segunda vez que Eliseu recebia o manto de Elias, mas desta vez, era definitivo).
A capa característica do profeta, provavelmente era feita de pele de animal, adquirindo uma aparência peluda (Zc 13.4).
O mando de Elias aqui representa o espírito e o poder que Eliseu estava herdando.
No Novo Testamento esta “capa” (simbolicamente) seria repassada para João Batista “E irá adiante do Senhor, no espírito e no poder de Elias” (Lc 1.17).
Jesus ao subir ao céu, deixou-nos o seu Espírito Santo (At 2).
Eliseu divide o Jordão, ferindo a água com o manto.
Ele apazigua alguns profetas (2.15-18) De forma relutante, Eliseu permite que 50 profetas procurem Elias, sem sucesso.
Não testemunham o evento todo, mas viram Eliseu voltar pelo Jordão e o reconheceram como herdeiros de Elias, prestando-lhe o devido respeito (v.15).
É compreensível que Eliseu se opunha ao pedido deles de procurar o “teu mestre” (v.16). Embora em virtude da insistência ele tenha ficado constrangido (v.17).
Eles não o encontraram.
Ele purifica a água (2.19-22)
A água:
Alguns estudiosos sugerem que havia nessas águas um parasita que se hospeda em caramujos do tipo encontrado em abundância em Jericó. O verme penetra na pele e é levado pela corrente sanguínea, infectando o aparelho urinário, afetando a fertilidade e provocando a mortalidade infantil.
Outros – que a fonte de água teria sido contaminada pela radioatividade das camadas de rocha, tornando a água imprópria e causando esterilidade ao ser consumida.
O Sal: Eliseu joga sal em uma fonte poluída em Jericó. O uso de um recipiente novo sugere a ausência de impureza, indicando tratar-se de um ritual.
O simbolismo do sal:
O sal era importante no mundo antigo da religião como um símbolo de tolerância e valor.
Era usado no culto (Êx 30.35; Lv 2.13; Ez 34.21).
No estabelecimento de alianças (Nm 18.19).
O sal era usado para combater maldições, visto que geralmente estavam relacionadas a rebeliões e o sal era considerado, simbolicamente, um elemento de neutralizar a rebelião.
O sal impede a ação do fermento e, visto que o fermento era um símbolo de rebeldia, o sal poderia representar o fator para reprimir as rebeliões.
O sal simboliza infertilidade.
No Antigo Testamento, assim como em todo o antigo Oriente Próximo, o sal era usado para consagração (Lv 2.11-13). Isso pode indicar que a prática de espalhar sal era um ritual para purificação ou consagração da cidade à divindade.
No Novo Testamento os discípulos devem ser salgados como nos sacrifícios (Mc 9.49).
O sal também denota valor moral, dos discípulos (Lc 14.34,35) ou nos discursos (Cl 4.6)
A referência a perda de paladar (Lc 14.43-35) pode estar baseada no fato de que o sal do Mar Morto logo adquiria um gosto alcalino ou de coisa estragada.
A Purificação: A água torna potável, e Jericó novamente habitável. A purificação da água de Jericó, por meio de Eliseu, libertou a cidade da maldição de Josué, tornando-a novamente habitável aos humanos (Js 6.26; 1 Rs 16.34).
Ele pune alguns garotos zombadores (2.23-25).
A zombaria (2.23): Quando Eliseu ruma para Betel, alguns garotos zombam de sua calvície.
Calvície:
A Calvície era considerada uma desgraça (Is 3.17,24).
A calvície de Eliseu, aqui referida podia decorrer:
Perda natural de cabelo;
Cabeça raspada, salientando sua separação para o ofício profético.
Um apelido de desprezo e desdém, não sendo Eliseu literalmente calvo. Esses jovens provocavam e insultavam, com sarcasmo, o profeta do Senhor, dizendo para que ele repetisse o traslado de Elias.
Se Elias era realmente um homem peludo, a careca de Eliseu faria grande contraste e talvez sugerisse a alguns que ele nuca teria os mesmos poderes de seu mestre. Essa zombaria, portanto, representava um descrédito a seu ofício e chamado profético e foi veementemente refutada pelo cumprimento imediato de sua maldição (19-22). Assim, enquanto nos vs. 19-22 Eliseu cancela uma maldição, em 23 e 24 ele executa outra.
Sobe: É um comentário sarcástico acerca da partida de Elias.
Suma daqui.
A idade dos zombadores:
O termo usado no v. 23 refere-se à crianças ou pré-adolescentes. Já o termo usado no v.24 pode se referi de bebês (Rt 4.16) a homens de meia idade (1 Rs 12.8 Roboão e seus companheiros tinham mais de 40 anos e foram chamados de jovens). Provavelmente se trate de um grupo de adolescentes.
Alguns termos no hebraico:
Qãtãn: Significa “pequeno” em contraste com grande em importância (18.24), embora geralmente seja uma referência à imaturidade (1 Rs 11.17).
Na’ar: É usada em relação a homens jovens (1 Rs 11.28; 2 Rs 4.22).
Yeled: Meninos – ou jovens (v.24).
O contexto sugere um bando de moleques à espera numa emboscada, que saí após o profeta para zombar dele. “Suma daqui”.
Eram jovens infiéis e idólatras no final da adolescência.
O despedaçamento (2.24-25): Eliseu amaldiçoa os garotos e duas ursas saem do bosque, despedaçando 42 deles.
Os ursos sírios ainda não haviam sido extintos nessa época e havia muitos desses animais nas regiões de florestas nas montanhas da área central de Israel. Essa região florestal ficava mais próxima de Betel do que de Jericó.
O ataque de feras selvagens com frequência era visto como um castigo de Deus.
A pena foi claramente justificada, pois ridicularizar Eliseu significava ridicularizar o próprio Senhor. A gravidade da penalidade espelhava a gravidade do crime. O juízo terrível era o aviso de Deus para quem tentasse interferir no ministério do profeta.
A jornada de Eliseu (v.25): a distância entre Jericó e Betel é de cerca de 20 quilômetros, enquanto de Betel até o monte Carmelo é de quase 120 quilômetros. Do monte Carmelo de volta para Samaria são aproximadamente 64 quilômetros. Eliseu volta para Samaria, onde é encontrado em casa (5.3; 6.32). Parece que o profeta de Javé podia agora viver em Israel sem ser molestado.