JESUS E A LEI

JESUS E A LEI (Mt 5.17-48)
INTRODUÇÃO
1. Esta parte do sermão destaca dois pontos:
(1) Os ouvintes de então tinham toda a razão em aceitar as Escrituras do Antigo Testamento para governar as suas vidas.
(2) O povo enganava-se em seguir o exemplo dos escribas e fariseus.
2. Neste trecho certos males são reprovados: adultério (27-30); divórcio (31,32); imprecações (33-37); represálias (38-42); ódio (43-48).
3. O trecho contém também ensino sobre a conduta cristã, e descreve:
(1) O Caráter da Conduta do Crente:
1) É submisso (39)
2) É bondoso (40).
3) É altruísta (40).
4) É prestável. E empresta, embora evite tomar emprestado, para nada dever a ninguém (Rm 13.8).
5) É beneficente, não somente aos bons mas também aos maus. E diz bem até aos maldizentes;
6) É dado à oração, pedindo pelos amigos e inimigos, desejando a sua felicidade espiritual.

(2) O Padrão da Vida do Crente é “como faz também o vosso Pai” (v.45).

(3) A Recompensa da Conduta do Crente:

1) Será principalmente em ter a aprovação de Deus;
2) Também sentirá a íntima satisfação em ter procedido bem – a aprovação da própria consciência, e ainda mais...
3) Pode ver o fruto imediato na apreciação que seus vizinhos hão de manifestar.

I. SINTESE
1. Jesus veio, não para revogar a Lei, mas para cumprí-la.
2. Não há contradição aqui, entre o ensino de Jesus e a doutrina de Romanos, Gálatas e Hebreus, de que somos justificados pela fé em Cristo e não pelas obras da Lei. O que Ele quer dizer é que a lei moral de Deus é a expressão da santidade divina, sendo, pois de eterna obrigação para o Seu povo. E que, na realidade, Ele veio dar às declarações antigas da Lei um sentido mais profundo, veio reforçá-la, não somente no que diz respeito aos atos externos como nas profundezas recônditas do coração humano.
3. Jesus e o Antigo Testamento: (Mt 5.17-30): Ele veio dar cumprimento e atualidade às sombras e às figuras do Antigo Testamento. Também veio para dar uma interpretação mais espiritual aos preceitos da Lei, como vemos, por exemplo, no versículo 28.

“Porque tudo isso tem sido sombras das coisas que haviam de vir: porém o corpo é de Cristo.” (Cl 2.17)

4. “Para cumprir...” (5.17): Gr. “Plerõsai”: “encher”, “completar”. Jesus não veio revogar ou destruir nenhuma palavra que Deus ensinara aos fiéis do passado no Antigo Testamento. Veio cumprir plenamente o propósito de Deus, revelado no Antigo Testamento dando à lei e aos profetas aquilo que faltava: O Espírito Santo para interpretá-lo e poder para pô-lo em prática, pela sua obra salvadora.

5. “nem um i ou um til jamais passará” (5.18): A letra (iota) era a menor letra do abecedário grego e hebraico (yôdh), e o til (gr. Keraia, lit. “chifrezinho”, era o sinal que distinguia certas consoantes hebraicas, o daleth do resh, o Beth do kaph). Cristo referia-se a lei escrita nos pergaminhos das sinagogas, a qual foi escrita, não na língua que Ele fala, mas no hebraico. É como se Cristo tivesse dito: “Não se apagará a menor letra da lei, nem mesmo o traço do ‘t’ manuscrito, que serve para distingui-lo do ‘l’”.

6. “Aquele que violar” (5.19): A Bíblia é a Palavra de Deus, e não deve ser menosprezada, retalhada ou profanada nas mãos dos homens.

7. A Nossa Justiça (v.20): Justiça. Gr. Dikaiosune, a qualidade de ser reto ou justo. Muitos dos escribas, no seu zelo pela lei, podiam recitar todo o Antigo testamento de cor. Os fariseus eram os religiosos daquele tempo. É a inclinação humana ligar mais a importância à letra da lei de Deus, do que ao espírito, como os escribas; é grande tentação mostrar-se religioso, observando cultos secos, com grande formalismo, como os fariseus. Acerca deles o apóstolo Paulo escreveu: “Porque lhes dou testemunho de que eles têm zelo de Deus, porém não com entendimento. Porquanto, desconhecendo a justiça de Deus, e procurando estabelecer a sua própria, não se sujeitaram à que vem de Deus”. Não é suficiente a observância de leis e de costumes, para isto os fariseus serviam muito bem. Precisa-se de certa realidade espiritual produzida pelo relacionamento com Deus pela fé que resulta numa retidão interna refletida pela expressão externa (Lc 18.14; Rm 4.3). Esse versículo (Mt 5.20) é a chave do sermão do monte. Os que não aceitam todo sermão à luz desse texto enganam-se em ensinar, ou experimentar praticar as lições proferidas por Cristo naquela ocasião. Não somos capazes, por nós mesmos, de fazer melhor do que eles nos seus extraordinários esforços. Mas, bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque Deus a concederá com fartura. A prova de recebê-la em abundância é a conduta na vida cotidiana dos que aceitam a justiça que vem de Deus (Rm 10.3)

A nossa justiça deve exceder a dos escribas e fariseus no seguinte:
(1) Não sendo somente uma prática exterior, mas nascendo do coração.
(2) Não sendo para obter honra dos homens, mas para servir a Deus.
(3) Não sendo limitada por nossos gostos, mas obedecendo toda a vontade de Deus.
(4) Não sendo apenas ocasional, mas sim hábito, regra da nossa vida.

II. ANÁLISE:
1. Homicídio (Mt 5.21-26). A lei contra o homicídio não era uma parte somente da lei de Moisés; era um dos Os judeus valorizavam a letra da lei que proibia eliminar-se a vida humana. A lei que proibia matar era uma dos Dez Mandamentos (Êx 20.13).Jesus, revelando a vontade de Deus, porém, proibiu o ódio e a vingança que já é assassínio no coração. Jesus reprova a conservação de rancor e ódio no coração, pois, isto conduz ao ato. “Aquele que odeia a seu irmão, está nas trevas, e ainda não sabe para onde vai, porque as trevas lhe cegaram os olhos” (1 Jo 2.11)
(1) “Inferno” (5.22): Gr. Geenna, que translitera o hebraico “gê hinnõm”, o “vale de Hinom”; este vale profundo ficava ao sul de Jerusalém. Durante o reinado de Manassés alguns judeus sacrificavam ali aos seus próprios filhos, através do fogo, ao ídolo Moloque (2 Cr 33.6; Jr 7.31). Finalmente tornou-se o depósito de lixo da cidade, e inclusive de carcaças de animais e de criminosos executados. O fogo e a fumaça incessantes criaram o símbolo do castigo eterno. (A palavra “Geenna” aparece nos Caps 5.22, 29, 30; 10.28; 18.9; 23.15; Mc 9.43, 45, 47; Lc 12.5; Tg 3.6) Jesus descreve Geenna como o lugar onde não lhes morre o verme nem jamais o fogo se apaga.
(2) “réu de juízo” (21,22): Refere-se a um tribunal inferior em cada cidade, de 23 membros, que punia os criminosos por estrangulação ou decapitação.
(3) “réu do sinédrio”: Refere-se ao tribunal superior de 72 anciãos, que aplicava a pena de apedrejamento.
(4) “adversário” (25): É preciso não espiritualizar o versículo 25, fazendo o “adversário” uma figura de Deus! É mais prudente tomar as palavras ao pé da letra, com a sua evidente aplicação às experiências desta vida. Se houver questão entre nós, é imperativo que a resolvamos logo.

2. Adultério (Mt 5.27-32). A lei contrário ao adultério era também uma dos Dez Mandamentos (Êx 20.14). Jesus proíbe alimentar a cobiça que leva ao ato. Note-se que em conexão tanto do ódio como da cobiça Jesus adverte contra o “fogo do inferno” (Mt 5.22,29 e 30). Não só nos adverte que devemos vigiar nossos sentimentos íntimos, como vai muito além de Moisés na restrição ao divórcio (v.32) Ver Mt 19.3-12; Mc 10.2-12; 1 Co 7. Como no caso de homicídio, o adultério é pecado cometido no coração, antes de se manifestar no próprio ato. “Se pelo Espírito mortificardes os feitos do corpo, certamente vivereis” (Rm 8.13)

(1) “Não adulterarás” (5.27,28): Para o judeu, observando-se a letra de Êx. 20.14, seria deitar-se com a mulher do seu próximo. Para Jesus, é isto e ainda mais. Atendendo ao espírito da lei e à disposição do coração que leva a cobiçar uma mulher, declara que pensamento impuro é adultério, embora não se pratique o ato.

(2) Os versículos 29,30 empregam a linguagem enérgica do Oriente, que como é evidente, não se deve entender ao pé da letra, porque todos compreendem que o culpado não é o olho ou a mão, mas o coração perverso que desejou tal pecado.

(3) Divórcio (5.32)

1) A interpretação que os judeus da época de Jesus chegaram a ter da lei, começou a ter aplicação dupla: lenitiva para com os homens, e severa para com as mulheres. Um homem podia divorciar-se de sua esposa por qualquer pretexto, e tinha muita facilidade para tomar uma concubina. Aqui, bem como em outras questões, Jesus revela qual era a verdadeira intenção da Palavra de Deus, desde os primórdios.
2) As leis civis, sobre o divórcio, nunca podem substituir ou invalidar os deveres dos crentes diante de seu Deus.
3) O matrimônio não é uma conveniência social inventada pela humanidade para preencher uma necessidade ou condição temporárias, e, portanto, para ser revisado ou abandonado conforme os caprichos de qualquer homem ou grupos de homens.

3. Juramento (Mt 5.33-37)

(1) “Não jurarás falso” (5.33,34): (Cf. Lv 19.12; Êx 20.7; Dt 5.34).
(2) No tempo de Moisés foi proibido apenas o perjúrio, ou juramento falso (Mt 5.33; Lv 19.12)
(3) O juramento era permitido no Antigo Testamento, mas Jesus querendo que toda palavra nossa seja pura e inabalável (37), proíbe o juramento.
(4) Aplica-se provavelmente aos juramentos em juízo, à praxe de blasfemar e até á menção leviana do nome de Deus na conversação ordinária.
(5) “Seja, porém, a tua palavra: Sim, sim; não, não” (v.37): A vida, constantemente, dos discípulos deve ser tão sincera que um simples “sim” para afirmar, ou um simples “não” para negar, seja suficiente em quaisquer circunstâncias. Para dar ênfase não é necessário mais do que dizer: “Sim, sim” ou “Não, não”. O exemplo do Mestre foi: “Em verdade, em verdade”
(6) “O que disso passa, vem do maligno” (v.37): Se a mentira não fosse comum, o juramento não seria considerado necessário. Quanto mais há de juramentos, tanto mais há de ideia de que a mentira não é pecado, senão quando sob juramento.

4. Vingança. A legislação “olho por olho” era parte da lei civil, administrada pelos juízes (Êx 21.22-25). Jesus não está legislando, aqui, para os tribunais de justiça. O governo civil é de ordenação divina (Rm 13.1-7), para livrar a sociedade humana dos seus elementos criminosos. Quanto mais rigoroso forem os tribunais na distribuição da justiça, tanto melhor para a sociedade. Mas aqui Jesus está ensinando princípios pelos quais os indivíduos como indivíduos devem tratar-se mutuamente.
(1) “Olho por olho” (v.38): A intenção desta lei era de controlar a vingança da pessoa lesada, não podendo ultrapassar a simples retribuição justa e exata (Êx 21.24; Dt 19.21; Lv24.20) Jesus ultrapassa a justiça com amor, não somente na Sua obra sacrificial na cruz, pela qual Deus cancela o castigo que Sua justiça decreta, mas também na Sua vida diária demonstrando que a justiça pode ser cumprida através de Sua pessoa e no Seu ensino.
(2) Cristo proíbe, não somente a vingança, mas também nega o direito aos discípulos de resistirem às afrontas. Os discípulos devem enfrentar o mal, não com manifestações de ira, nem de ódio e nem de vingança, mas com prontidão de sofrer ainda mais. A vida cheia do amor de Deus passa sossegadamente por cima de todos os obstáculos.
(3) “A qualquer que te ferir na face direita, volte-lhe também a outra” (Mt 5.39): “quando ultrajado, não revidava com ultraje, quando maltratado não fazia ameaças” (1 Pe 2.23)
(4) “Irar-te a túnica” (40): Era contra a lei ficar com uma túnica penhorada, que servia para o pobre como cobertor de noite(Êx 22.26,27)
(5) “Dá a quem te pede” (42): Devemos dar a todos que nos pedem, mas não devemos dar dinheiro todas as vezes que nos pedem (2 Ts 3.10). Deus dá a todos que pedem, mas não dá sempre a mesma coisa que pedem.

“Você quer se feliz por um instante? Vingue-se! Você quer ser feliz para sempre? Perdoe!”

5. Ódio aos Inimigos. “Odiarás o teu inimigo” (v.43). Não é prescrição do Pentateuco. Esta expressão pertence à tradição popular dos judeus, e não ao Antigo Testamento. O Talmude , a disciplina dos judeus não ensina o amor para com os inimigos. Pode estar implícito na maneira de Israel tratar seus inimigos, em alguns casos do Antigo Testamento, e em alguns dos Salmos (chamados de salmos imprecatórios). Os judeus consideravam que só outros judeus (e prosélitos, ver Lv. 19. 33-34) eram vizinhos. Embora que assim tenha sido, Jesus o proíbe (Lc 6.27-38). Jesus ensinou o amor para com todos, considerando-os além disto o sinal pelo, qual o mundo reconheceria os filhos do Pai Celestial (Jo 13.35).
Ainda que seus inimigos mundanos sejam condenados (Lc 6.24-26), os que seguem a Cristo são obrigados a amá-los por meio de ações que os beneficiem, e da oração que porfia por ganha-los para Cristo.

6. “Sem esperar nenhuma paga” (Lc 6.33): Gr. Apelpizontes, “perder a esperança”. A frase poderia significar “emprestai, sem desconfiar de ninguém”, por que Deus é o fiador do crente. Tudo o que é feito com um amor cristão altruísta, é um investimento garantido com juros, um grande galardão.

7. “Perfeitos” (v.48): Jesus aponta para a absoluta perfeição do amor de Deus como alvo do crente ( 1 Pe 1.15,16). Não se debate a possibilidade filosófica do absoluto amor perfeito na terra: quem pertence a Cristo pratica a verdadeira piedade (1 Jo 1.6-10), e já tem sua absoluta garantia da transformação final (1 Jo 3.2). Os filhos de Deus devem clamar como o Grande Filho de Deus: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23.34)