Criar uma Loja Virtual Grátis
BATALHA ESPIRITUAL

INTRODUÇÃO

A igreja não pode ignorar a problemática da guerra espiritual. Primeiro, porque a Bíblia fala muitas vezes sobre tal conflito. Sim. Existe uma contínua e intensa batalha entre a luz e as trevas, entre Cristo e Satanás, entre a Igreja e o inferno. Por esta razão, Pedro alertou: “Sede sóbrios e vigilantes. O diabo, vosso adversário, anda derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar; resisti-lhe firmes na fé, certos de que sofrimentos iguais aos vossos estão se cumprindo na vossa irmandade espalhada pelo mundo” (1 Pe 5.8,9).

O movimento de “Batalha Espiritual” tem produzido o surgimento de novas igrejas (e mesmo denominações) cujo ministério principal é a expulsão de demônios e a “libertação de crentes” e descrentes da opressão demoníaca em todos os níveis (espiritual, moral e físico, bem como geográfico, estrutural e social). Mas não somente isto – as ideias e práticas difundidas pelo movimento têm se infiltrado nas igrejas históricas, cativando muito de seus pastores, oficiais e membros.

 

 

Parte 1

ERROS E DISTORÇÕES SOBRE A BATALHA ESPIRITUAL

 

 

INTRODUÇÃO

FASCINADOS PELO MAL:

A glorificação dos demônios no mundo cristão tem seu paralelo numa tendência semelhante na cultura. A humanidade sempre sentiu certo fascínio pelas coisas sinistras e demoníacas. Maxilmilian Rudwin declarou, por exemplo, que a figura de Satanás “avulta-se amplamente na literatura”. Acrescenta: “Seria realmente triste a situação da literatura sem o diabo”. A história das práticas ocultistas tem se alimentado do fascínio que a humanidade sente pelos demônios. E até mesmo a ascensão do pensamento científico moderno tem servido quase nada para deduzir tal fascínio.

Na segunda metade do Século XX, registrou-se um renovado interesse pelos demônios e pelo ocultismo.  A indústria do cinema de terror ficou cada vez mais fascinada pelos demônios e pelos consequentes lucros financeiros.  Filmes como O exorcista e poltergeist buscam ressaltar a incapacidade da ciência e da Igreja em lidar com os espíritos malignos. Apresentam histórias nas quais elementos demoníacos, muitas vezes confundidos com as almas dos entes queridos, dominam o fluxo dos eventos. Em tais conjecturas, a graça de Deus está ausente, ou mostra-se débil. Até mesmo o final “feliz” surpreende mais que as vitórias demoníacas que lhe antecederam.

O apóstolo João alertou com muita propriedade que “o mundo inteiro jaz no maligno” (1 Jo 5.19). Certamente esse avivamento satânico, que afeta tanta gente hoje em diferentes partes do mundo, tem provocado reações em muitos círculos cristãos. Muitos ministérios de libertação começaram a surgir a fim de livrar os crentes de maldições hereditárias, libertar cidades de seus respectivos príncipes infernais, derrubar políticos e governos corruptos e amarrar todo o mal.

As livrarias evangélicas foram inundadas por livros sobre batalha espiritual, alguns bons, enquanto muitos outros nada recomendáveis.

Seminários sobre batalha espiritual foram e têm sido ministrados em muitas igrejas, tradicionais ou não (quase ninguém escapa), para expulsar demônios de crentes, fazer orações de renúncias, sessões de cura interior e para ensinara uma série enorme de nomes de demônios que jamais poderia ser encontrada na Bíblia. Quando algo não tem base bíblica, ensina-se por “revelação divina”, dizem os que creem nessas doutrinas.

De fato, o mal fascina. Entre um estudo bíblico sobre a Trindade e outro sobre as atividades satânicas nos dias atuais, o último tópico certamente atrairá um número muito maior de crentes. Em muitas igrejas, obcecadas com o assunto da guerra espiritual, infelizmente, maior atenção tem sido dada ao diabo do que a Jesus. Mesmo no momento do louvor, em muitas igrejas, a maioria dos cânticos tem mais a ver com o militarismo, com guerra, com destruição do que com a adoração contemplativa da glória, da face e da majestade do Senhor. Hinos como “Tu és Fiel, Senhor”, “Quão Grandes És Tu”, “Santo, Santo, Santo, Deus Onipotente”, deram lugar a cânticos como “Caiam por terra, agora, os inimigos de Deus”, “Vem com Josué lutar em Jericó”, “Homem de guerra é Jeová”. Embora tais cânticos sejam bíblicos, demonstram a ênfase exagerada que, muitas vezes, alguns cristãos colocam na guerra espiritual. Em certos ministérios, o termo intercessor deu lugar ao termo “guerreiro de oração”.

Até as orações de muitos “obreiros da libertação” estão recheadas de nomes de demônios, nomes utilizados nas religiões afro-brasileiras (Pomba Gíria, Exu Tranca Rua etc). E outros nomes como: “espírito de miséria, espirito de tristeza, do adultério, de depressão, do vício, da fofoca, do alcoolismo etc.

“Mas eu vos digo a vós e aos restantes que estão em Tiatira, a todos quantos não têm esta doutrina e não conheceram, como dizem, as profundezas de Satanás, que outra carga vos não porei” (Ap 2.24 ARC). Isto é, “doutrinas falsas”. Assim como os gnósticos primitivos os falsos mestres podem ter reivindicado uma percepção esotérica das “coisas mais profundas de Deus” (1 Co 2.10b), ou defendido que o conhecimento “superior” dos crentes permitiu que continuassem a participar da idolatria pagã (cf. 1 Co 8.4). Tal “conhecimento” é satânico.

Existe um lugar legítimo para a demonologia na teologia cristã? Existe uma base para incluir o demonismo nas confissões de fé da Igreja? Certamente, “crer” no diabo não é linguagem apropriada para o credo cristão. Neste, a fé em Deus e o repúdio ao diabo e a todas as forças que servem a causa da iniquidade devem ser bastante claros. Mas que tipo de ênfase devemos dar, na confissão cristã, a esse repúdio de Satanás?

O poeta Howard Nemerov declarou: “Hesito muito em fala do diabo para ninguém pensar que o estou invocando”. Karl Barth deixou claro que só daria uma olhadela rápida e penetrante na área da demonologia. A olhadela deve ser “rápida” para não dar valor e atenção desnecessários ao demonismo. Para Barth, a teologia devia ser dominada pela graça de Deus, revelada em Cristo. Mas a olhadela tem de ser “penetrante” pois o demonismo não deve ser tratado levianamente.

Infelizmente, nos movimentos pentecostais e carismáticos, os ministérios de guerra espiritual e de libertação abundam, dedicando atenção deliberada ao âmbito do demonismo. Muitos defensores de semelhante ministério vão nitidamente além do lugar legítimo que a mensagem bíblica atribui ao demonismo. Parece que nesses ministérios há certo fascínio com o âmbito dos demônios, e o resultado é que muito mais atenção é prestada a eles do que a Bíblia pode apoiar.

Realmente, certa glória e legitimidade são concedidas ao diabo em tais ministérios.  O diabo é frequentemente referido como elemento exclusivo (ou pelo menos, dominante) em toda a oposição aos propósitos redentores de Deus para a humanidade. A totalidade da atividade divina na redenção é reduzida à destruição do diabo de modo que a soteriologia, a cristologia, a pneumatologia e todas as demais áreas da teologia são debatidas quase exclusivamente à luz da luta contra os demônios! Sem o diabo, semelhante pregação e teologia seriam reduzidas a uma casca vazia! Em semelhante contexto, a demonologia concorre muito bem com Deus e com todas as demais áreas da teologia, e exige e conseguiu atenção igual, ou até mesmo maior.

Em semelhante contexto, a demonologia recebe atenção e relevância teológica muito além dos limites estabelecidos pela Bíblia. Nessa visão, acredita-se que o horizonte do mundo cristão esteja cheio de ataques de demônios. A forma  grotesca dessa crença acha-se na suposição de que os demônios podem possuir e dominar cristãos desobedientes. Para harmonizar tal suposição com o ensino bíblico de que os cristãos pertencem a Cristo e são dirigidos primariamente pelo Espírito de Deus (Rm 8.9-17), uma dicotomia antibíblicas é estabelecida entre o corpo e a alma de modo que Deus acaba dominando a alma ao passo que os demônios controlam o corpo. Mas a Bíblia ensina que uma lealdade tão  radicalmente dividida é uma impossibilidade para a pessoa de fé genuína (Mt 7.15-20; 1 Co 10.21; Tg 3.11-12; 1 Jo 4.19-20).

Por certo, semelhante fascínio pelo demonismo não é saudável nem bíblico. A fixação que os discípulos de Jesus sentiram com a sua autoridade sobre os demônios foi corrigida. O Senhor os exortou a se regozijarem pelo fato de haverem sido escolhidos pessoalmente por Deus (Lc 10.17-20).

Entre os cristãos, a tendência de enfatizar o papel de Satanás tem até mesmo levado a uma legitimização de seu papel de oponente de deus, como se o adversário tivesse o direito legal sobre pessoas e governos. Enfim, como se a sua posição de “deus da presente era” devesse ser respeitada até mesmo pelo Altíssimo!

De modo contrário àquilo que alguns pensam, não há em Judas 9 nenhum respeito por Satanás quando o anjo hesitou em lançar contra ele acusação caluniadora. O arcanjo Miguel refreou qualquer acusação baseada na sua própria autoridade, mas disse: “O Senhor te repreenda”. Isso significa que qualquer rejeição das reivindicações enganosas de Satanás somente poderá vir da autoridade de Deus e da sua graça, e não da sabedoria ou autoridade que geramos em nós mesmos.

Nossa resposta mais sábia ás reivindicações falsas e enganosas de Satanás é negá-las; e devemos fazê-lo somente através da “olhadela” rápida e penetrante que o teólogo Karl Barth lhes deu na luz maior da graça e verdade de Deus. Parece haver, contudo, uma pressuposição oculta entre muitos participantes dos ministérios de libertação no sentido de que  Satanás somente pode ser derrotado por aqueles que melhor o conhecem. Noutras palavras: quanto mais mistérios pudermos desvendar a respeito dos demônios, tanto mais poderemos controlá-los e derrotá-los. Nesses casos, entende-se que a libertação é o resultado de um conhecimento secreto (gnõsis) que pessoa fora do movimento da libertação não possuem. Especulações muito complexas são feitas a respeito da organização e das características dos demônios e de como se relacionam com os governos humanos e as vidas individuais. Práticas primorosas de “amarrar” as potências demoníacas podem ser usadas contra elas, uma vez compreendidas as suas verdadeiras posições e funções do mundo.

Por outra lado, ao lemos a Bíblia, percebemos como é notável a total ausência de semelhantes especulações e práticas. A Bíblia encoraja-nos a resistir as forças enganadoras das trevas, e não estudá-las e amarrá-las. Nenhum esforço é feito na Bíblia para levar-nos a conhecer melhor o diabo. O enfoque exclusivo recai em conhecer melhor a Deus, resistindo, ao mesmo tempo, quaisquer tentativas de Satanás de obter a nossa atenção. Submeter-se a Deus e resistir ao diabo é o conselho que Tiago nos deu (Tg 4.7).

 

AS ORIGENS DO MOVIMENTO DE BATALHA ESPIRITUAL

  1. Suas raízes vêm desde James Ostram Fraser (1886-1938). Fraser serviu como missionário na China, [1]mas a conversão dos chineses não aconteceu como ele esperava. Então desapontado, ele deixou de lado a Bíblia e criou um ministério ekbalístico, do grego ekbállo, “expulsar, expelir, lançar fora”. Segundo Fraser, tudo o que aflige o mundo, a Igreja e a sociedade é por interferência direta dos demônios, e a única solução é “amarrá-los, controlá-los, proibi-los, repreendê-los etc”. Ele utilizou uma estratégia como dar ordens em voz alta a Satanás e seus demônios para quebrar o domínio destes espíritos sobre os Lisu. Partindo de sua experiência no campo missionário Fraser desenvolveu na base da “tentativa e erro”, alguns métodos de combater pela oração, a influência dos espíritos malignos que atormamtavam este povo tribal. O que convenceu Fraser de que estava no caminho certo foi que “funcionava”. Segundo o movimento de Fraser, os demônios estão instalados em posições estratégicas e geográficas e por isso as igrejas precisam ir a esses demônios para neutralizar a ação deles e “amarrar o valente”. Inventaram até nomes para os demônios ou copiaram dos antigos.  Desde o período interbíblico já havia muitas invenções desse tipo principalmente na literatura apócrifa e pseudoepígrafa, e dela surgiram muitas crenças que contribuíram para o imaginário popular. De lá surgiram nomes de anjos e demônios.

 

  1. Existe uma onda extravagante surgida na década de 1960 que tenta se passar por batalha espiritual. Infelizmente essa inovação ainda não foi erradicada de nosso meio. O que se vê nesse novo movimento é uma aberração doutrinária que tem levado muitos à incredulidade e outros ao fascínio quase esotérico. São crenças e práticas muito próximas do esoterismo e do ocultismo.

AS DIVERSAS LINHAS DE “BATALHA ESPIRITUAL”

Desde a década de sessenta a “batalha espiritual” vem ganhando aceitação no mundo todo. Existem algumas ramificações do movimento. Entretanto, compartilham de uma base teológica ampla e comum a todos, o que justifica identificar suas posições como parte desse movimento mundial de “batalha espiritual”. Há pelo menos quatro linhas de “batalha espiritual”:

  1. Os Carismáticos. Foram os primeiros a defender popularmente sobre batalha espiritual. O ímpeto para o movimento foi o livro de Don Bashana em 1972 “Livra-nos do Mal”, onde se apresenta a ideia de que existem demônios agressivos por trás de cada árvore, e onde narra encontros bizarros e estranhos com eles. O conhecido Benny Hinn é um dos modernos seguidores desta linha.

 

  1. Os Dispensacionalistas vieram sem seguida. De orientação não-carismática, seus defensores propuseram uma linha de batalha espiritual menos fantástica, concentrando-se mais no aconselhamento pastoral e na oração em favor dos oprimidos, do que em encontros extraordinários com demônios.

 

  1. Os Moderados. Uma terceira linha de “batalha espiritual” é caracterizada por uma abordagem mais moderada e evangélica. Essa linha evita os “encontros de poder” com os demônios, o sensacionalismo, e enfatiza a libertação individual através do conhecimento da verdade e da fé.

 

  1. Existe uma quarta linha de “batalha espiritual”, possivelmente a que tem ganhado maior popularidade no Brasil. Ela se identifica com o nome de C. Peter Wagner, conhecido professor e diretor de Escola De Missões Mundiais Do Seminário De Fuller, nos Estados Unidos. Essa linha nasceu na esteira do que ficou conhecido como A Terceira Onda Do Espírito[2], uma corrente carismática que prega o ressurgimento nas igrejas cristãs locais dos sinais e prodígios ocorridos no período apostólico. Esta linha de “batalha espiritual” está intimamente associada a um outro movimento, cujo mais conhecido expoente é também C. Peter Wagner, que é o “movimento de crescimento de igreja”, com ênfase em missões ao terceiro mundo acompanhada de “sinais e prodígios”. Um ensino característico desta linha de “batalha espiritual” é a noção recente de “espíritos territoriais”, ou seja, demônios que mantêm determinadas regiões geográficas sob o controle da incredulidade e do pecado.

 

  1. Uma variação que tem ganhado muita popularidade no Brasil tem como principal ênfase a “quebra de maldições hereditárias”, um ensino que afirma que os pecados, vícios, e pactos demoníacos cometidos pelo crente antes da sua conversão, ou pelos antepassados, afetam negativamente a sua existência presente, sendo a “quebra” destas maldições o caminho para a libertação.

 

[1] Fraser, trabalhou em meio ao povo tribal Lisu, na China, um povo envolvido com magia negra, espiritismo e animismo.

[2] O termo “terceira onda do Espírito” foi cunhado e popularizado por C. Peter Wagner, ele explicou a terceira como uma abertura gradual das igrejas evangélicas ao ministério sobrenatural do Espírito Santo sem que os participantes sem tornassem pentecostais ou carismáticos”.

 

 

Adquiria a apostila completa em PDF - 74 9 81209181 (só mensagens)